O ano de 2021 foi finalizado com muitas incertezas a respeito do mercado cafeeiro para 2022. Alta do dólar, as fortes geadas e a ausência de chuvas ao longo do ano se tornaram, para os especialistas, fatores de influência negativa para o mercado do café neste ano. Em janeiro, ao apresentar a maior alta do grão nos últimos 25 anos e um aumento anual significativo, as questões se tornaram ainda mais delicadas. Apesar disso, existem diversos fatores que podem alterar os rumos desse mercado ao longo dos próximos meses.
De acordo com o último Relatório de Mercado da Organização Internacional do Café (OIC), o balanço de oferta e demanda global, referente à safra de 2021/2022, indica que a produção mundial aumentou 0,4% e o consumo cresceu 1,9% no mesmo período. Dessa forma, o superávit global, de aproximadamente 2,4 milhões de sacas, é estreito, podendo ser afetado ainda mais por qualquer fator que comprometa o fornecimento nas principais regiões produtoras.
Dados do relatório estatístico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) apontam que o Brasil exportou 40,372 milhões de sacas de 60 kg de café no ano passado, obtendo US$ 6,242 bilhões. O desempenho representa queda de 9,7% em volume, mas evolução de 10,3% em receita cambial frente aos números registrados em 2020. Esses resultados implicam o terceiro maior volume remetido ao exterior na história do país e, em valores, o melhor dos últimos sete anos, refletindo um preço elevado no mercado e câmbio favorável para as exportações.
De acordo com Nicolas Rueda, presidente do Cecafé, o balanço das exportações de 2021 foi bastante significativo e o entorno é muito desafiador. “A crise dos containers é uma situação que definitivamente dificultou a nossa capacidade exportadora. Os exportadores, representados pelo Cecafé, inovaram para fazer muito mais com muito menos. Um claro exemplo são os embarques na modalidade break bulk como alternativa aos embarques clássicos em containers”, explica.
Nicolas lembra que muitos especialistas otimistas acreditavam que uma forte melhoria seria iniciada com o fim do ano chinês. Mas, para ele, o mercado cafeeiro continuará a conviver com os gargalos logísticos neste ano: “O final do ano chinês está chegando e, por mais que tenhamos percebido alguma melhoria, estamos muito longe do equilíbrio em que estávamos antes da pandemia.”
IMPACTOS PARA O CONSUMIDOR
Os últimos números divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que a safra cafeeira 2022/2023 será 12% menor que a de 2020, a última safra alta do mercado. Isso representa a diferença de mais de 7,2 milhões de sacas de café. O consumidor brasileiro também sentiu o impacto dos preços do grão. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) acumulou uma alta de 10,06%, extrapolando a meta estabelecida para 2021.
Raquel Vilela, assessora técnica da Comissão Nacional do Café da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), afirma que os fundamentos que nortearam o mercado nos últimos meses permanecem os mesmos, e a tendência é que os preços do café continuem firmes no curto e médio prazos. “Na ponta produtora, o cafeicultor deve estar atento aos aumentos do custo de produção. Em 2021, o setor agrícola como um todo sentiu a escalada de preços de insumos. Neste momento, o produtor deve se perguntar: será que estes preços mais altos têm se refletido em maior receita para a minha atividade?”, aconselha.
Para a técnica, espera-se que a entrada da nova safra pressione os preços para baixo, mas essa alteração dependerá principalmente dos números de fechamento da safra brasileira, das condições climáticas no pós-florada e dos demais fatores que exercem influência sobre o mercado. No caso do consumidor, Raquel acredita que o brasileiro deve continuar pagando mais caro pelo seu café ao longo de 2022.
CLIMA E PERCEPÇÕES
Assim como muitos especialistas, Archimedes Coli Neto, presidente do Centro do Comércio de Café do Estado de Minas Gerais (CCCMG), aponta os fatores climáticos, principalmente em Minas Gerais, como aspectos de interferência neste ano. Ele relembra como as grandes secas e as geadas trouxeram muito prejuízo aos produtores e afetaram grandes áreas, o que compromete a produção de 2022. Apesar disso, o executivo destaca um mercado firme e com diferenças entre as variedades. “Acredito que o mercado de café em 2022 será de preços firmes, com uma safra menor do arábica e uma normal do conilon. A safra de conilon promete ser boa e poderá haver maior exportação deste produto”, defende. Ele alerta também para a importância de se lembrar a volatilidade do momento e a importância de saber administrar a oferta do produto.
De acordo com Celírio Inácio, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), o primeiro fator de 2021 que vai influenciar neste ano será o aumento de 130% da saca do café cru, causado por fatores climáticos, geopolíticos e econômicos. “Inicialmente, os industriais negociaram com o varejo e se esforçaram para segurar o repasse para o produto final. Porém, os estoques com o preço antigo acabaram, e os novos vieram com valores mais elevados. Eles, então, não conseguiram frear o repasse para o varejo, o que interferiu no valor do café nas prateleiras”, explica. Além disso, Celírio pontua a exportação como um fator influente.
Henrique Cambraia, presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), enfatiza que a Associação é sempre otimista em relação ao crescimento do mercado e que 2022 está sendo visto como um ano positivo, principalmente para cafés especiais. Apesar disso, não anula as altas existentes. “Hoje, já percebemos que os preços nas gôndolas subiram, assim como para o consumidor final, seja em hotéis, restaurantes ou cafeterias. O impacto do consumo não tem sido notado em queda, porque estamos vindo de um 2020 e 2021 bastante represados”, afirma.
Para ele, 2021 trouxe um aumento de consumidores de cafés especiais em casa e esses consumidores, retornando para o consumo externo, permanecerão com os hábitos de cafés de melhor qualidade. “Cafeterias e restaurantes sofrem uma pressão de preço, pois as altas dos preços de cafés têm sido repassadas para o setor de distribuição. Por outro lado, esse aumento em preços absolutos não inibe o consumo”, expõe Henrique, que destaca ainda que o consumidor está mais criterioso para cafés produzidos com preocupações socioambientais e de inclusão.
DESAFIOS E INCERTEZAS
Apesar dos desafios, Celírio Inácio, da ABIC, ressalta o real significado do café, como o consumidor pode se adaptar às atuais circunstâncias e que, mesmo com o aumento, ainda é uma bebida acessível. “Café é uma bebida que representa muito mais do que apenas o ato de beber café. Ele é sinônimo de encontro, relaxamento e boas memórias. É uma bebida resiliente, mas não é imune às dificuldades que diversos segmentos passam com a perda do poder de compra. Isso, devido ao reajuste, faz com que o consumidor fique mais atento ao desperdício. Ele terá que ser mais consciente com as suas escolhas, exigindo sempre qualidade”, atenta.
Mesmo diante das incertezas que o ano de 2022 ainda carrega, é importante a manutenção do otimismo e da cautela. Os preços do café continuarão sendo sentidos pelos consumidores, mas a ressignificação do consumo pode permitir a compra de cafés de qualidade sem apertar os gastos. Além disso, o mercado começa a retomar suas características anteriores ao início da pandemia, o que pode trazer resultados bastante positivos ao longo deste ano. Estamos otimistas!
INSTITUIÇÕES E GRANDES EMPRESAS AVALIAM MERCADO DO CAFÉ
“A BSCA é sempre bastante otimista em relação ao crescimento do mercado. O ano de 2022 tem a peculiaridade de ser de retomada e de volta de consumos no setor ‘fora de casa’. No lado dos nossos associados produtores, estamos otimistas a alta do mercado. As torrefações devem ficar atentas por ser um ano de muita tensão pelo fato de as altas de preços nem sempre serem repassadas para o mercado de forma linear e assim manter as margens da indústria. Mas será um ano positivo para o setor de cafés especiais.”
Henrique Cambraia, Presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA)
“A alta dos preços deve ser mantida baseando-se nos números que chegam ao mercado e apontam para escassez e dificuldades no fornecimento de café verde. Há uma preocupação global com a quebra na produção brasileira e uma indefinição nas estimativas de produção. Soma-se a isso a crise global de logística; o aumento do frete que impacta os preços de entrega dos cafés; estoques baixos em todo o mundo; insumos mais caros e problemas climáticos que têm afetado diversas regiões de origens do grão.”
Raquel Vilela, Assessora técnica da Comissão Nacional do Café da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
“Tudo dependerá do cenário de abastecimento, que é o grande determinante do mercado de café. É difícil fazer previsões concretas para os próximos meses. Somente a partir de março/ abril será possível ter uma ideia mais clara sobre a colheita da safra 2021/2022. A ABIC seguirá monitorando os cafés para que a mesma qualidade siga presente na mesa dos brasileiros. Estamos, também, lado a lado com os industriais, garantindo que a produção mantenha o seu curso normal.”
Celírio Inácio, Diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC)
“Sofremos muito as consequências da estiagem, mas, sobretudo, com a sequência de três geadas no mesmo período. Houve volatilidades extremas e uma alta na cotização internacional do preço do café, que quase duplicou. O setor cafeeiro exportador demonstra mais e mais a sua resiliência. Os mais otimistas acreditavam que nós começaríamos a ter uma forte melhoria, mas por mais que isso tenha acontecido, estamos longe do equilíbrio em que estávamos antes da pandemia.”
Nicolas Rueda, Presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé)
“O mercado deste ano será de preços firmes, com uma safra menor do arábica e normal do conilon. O Brasil poderá exportar menos volume, diante de uma oferta menor. Porém, a safra de conilon promete ser boa e poderá haver maior exportação desse produto. É importante ficar atento ao mercado para não arriscar muito em um determinado momento. O mercado é volátil e estará de olho na safra de 2023. Portanto, administrar é a melhor maneira de estar sempre presente.”
Archimedes Coli Neto, Presidente do Centro do Comércio de Café do Estado de Minas Gerais (CCCMG)
“O café deve se estabilizar nessa faixa em que estamos agora, em torno de R$ 1.500,00 a saca de 60 kg, até o período de colheita brasileira. Todavia, acredito que no meio do ano esses preços possam voltar a ter oscilação, dependendo das perspectivas de safra para 2023, uma vez que o mercado sempre trabalha com uma visão de futuro, e o clima será, sim, um fator crucial para esse momento. O café não é como outros itens que você consegue substituir sem perder qualidade.”
Rafael Stefani Mendes, Cafeicultor e Agro-influencer Café no Brasil
“Fatores como volume da safra, efeitos climáticos e projeções de quebra de safra futuras, tiveram reflexo nos ajustes de preços que os consumidores vêm sentindo. Parece não existir ainda um cenário de estabilização no curto prazo, mas não vimos redução de consumo de café, que continua fazendo parte das mesas de milhares de brasileiros. Os preços mais altos podem impactar a frequência e o volume de compra, mas o produto continuará sendo um dos itens prediletos na rotina dos consumidores.”
Jonatas Rocha, Diretor de Marketing da Melitta South America
“Conseguimos trabalhar com tranquilidade e contratos futuros, mesmo num cenário turbulento no curto-médio prazo. É certo que teremos impactos originados pela falta de chuva e pelas geadas em 2021, que ainda rendem impactos para as próximas duas colheitas brasileiras. Temos passado por um início de 2022 com um regime de chuvas muito consistente. Se mantivermos esse padrão, teremos cafés com um grande potencial de qualidade para essa colheita.”
Guilherme Amado, Líder do Programa Nespresso AAA de Qualidade Sustentável no Brasil e no Havaí
“O impacto de dois anos de pandemia ainda será sentido pelo setor em 2022, mas a expectativa é de que seja marcado por uma retomada. Números da Conab apontam que, após queda na produção em 2021, os produtores de café deverão colher, neste ano, a terceira maior safra do grão. Parte dessa recuperação vem do setor ‘fora de casa’, com as cafeterias puxando a expansão. Estamos trabalhando para sermos a mudança que queremos ver no mundo, e isso implica acelerar os projetos sustentáveis e de amparo ambiental.”
Valdir Nascimento, Head de Marketing de cafés da Nestlé
“As expectativas são ótimas e o mercado brasileiro vem crescendo. Durante a pandemia, houve uma mudança do consumo ‘fora de casa’ para o doméstico. Era um processo que já estava acontecendo, mas foi acelerado para atender adequadamente à necessidade de isolamento social. Agora, assistimos ao retorno do consumo fora de casa. No entanto, as pessoas se acostumaram a consumir produtos de melhor qualidade. Não faltará café, mas pode haver um estrangulamento em alguns tipos e isso dificultará a vida de algumas empresas."
Frederico Canepa, Diretor da illy caffè no Brasil
“Essa questão está envolvida em nosso trabalho todos os dias, principalmente nos anos de 2020 e 2021. Diversos fatores mundiais influenciaram. No ano passado, aumentamos bastante o valor dos nossos produtos, mas conseguimos recorde de vendas. Uma notícia boa é que o dólar tem caído nos últimos dias. Eu sempre opto por ser otimista. Percebo que teremos uma melhora dos custos. Ao mesmo tempo, as empresas têm a obrigação de buscar maneiras para deixar os produtos mais viáveis.”
Rodrigo Nassuno, CEO da Flavors
“Depois de praticamente dois anos de pandemia, um medo ainda paira no mercado. Em 2021, tivemos geada, fortes chuvas e uma safra mais baixa de café. Acredito que 2022 deverá ser um ano de mudanças. O público deverá verificar essas mudanças no valor do café na gôndola, mas, ao mesmo tempo, tenho uma expectativa de crescimento do mercado de café especial e utensílios. Um pouco de precaução é importante, mas sem desanimar. Acho que temos que permanecer com os pés no chão e errar pouco neste ano."
Fernando Sá, Diretor e sócio-fundador da Koar
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